quinta-feira, 9 de fevereiro de 2006
A mulher sozinha
O restaurante era pequeno e sofisticado. As luzes suaves, as rosas nas mesas e os inúmeros quadros de anjos sobre uma estreita prateleira em toda a parede provocavam em mim a sensação de estar em um bistrô francês... a noite estava perfeita. Meu amigo escolhia o vinho que iríamos beber. Foi uma escolha demorada. Distraí-me. Olhei em volta: mesas vazias, um grupo mais barulhento... e uma mulher sozinha. A cena, não sei por que motivo, me fascinou. A mulher sozinha ocupava uma mesa pequena bem à minha frente. Pedira uma garrafa de vinho tinto e trazia consigo um livro que ficava aberto mas raramente era lido. A luz fraca talvez lhe dificultasse a leitura, talvez o livro fosse uma maneira de não se sentir tão exposta... Escolhemos os pratos, conversamos sobre culinária, religião e outras esquisitices, mas, confesso, aquela mulher me perturbou. Os gestos dela eram precisos, lentos. O olhar parecia sereno. Degustou o jantar e o vinho com uma tranqüilidade que só alguns conhecem. E, sem querer, despertou em mim alguns minutos de digressão bem invasivos. Por que ela estava sozinha, àquela hora (era bem tarde), em uma quarta-feira chuvosa? Decerto estava em casa e a solidão sussurrou-lhe no pescoço que estava chegando. Talvez tenha se preparado para ela. Tomou banho, um copo de leite morno, assistiu à novela, deitou-se cedo. A solidão deitou-se com ela. Aquela mulher chorou, esperou o telefone tocar, procurou lembrar-se do tempo em que solidão era apenas um substantivo abstrato, pensou em comer chocolates. Depois, virou-se para a companheira de vida, de quarto e de cama e disse, decidida: Vamos sair? Um jantar só nós duas, um vinho, boa conversa... Que tal? A velha companheira aceitou. A mulher vestiu-se, passou batom nos lábios, borrifou perfume. Foi jantar num pequeno e sofisticado restaurante numa noite chuvosa de quarta-feira. Ela e a solidão. Faziam um par perfeito. Pareciam se divertir. Outra mulher, também amiga da amiga da mulher sozinha, viu a cena. Comoveu-se. Chego a achar que sentiu inveja...
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