sábado, 27 de agosto de 2005

Eu, pecadora?!

Trabalhando com literatura e, de vez em quando, passeando pelo Barroco, não dá para passar indiferente sobre alguns textos. Os de Gregório de Matos, por exemplo, parecem-me sempre muito atuais: o sujeito peca, arrepende-se porque quer salvação, e se dirige a Deus, ameaçando: "Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada. Perdoai-me e não queirais, pastor divino, perder na vossa ovelha a vossa glória!" . Esperto esse sujeito, não? Parte do pressuposto de que, havendo arrependimento, haverá, necessariamente perdão... mas não é bem sobre isso que quero falar. De repente me deu uma sensação de que os meus pecados têm sido poucos, superficiais, irrelevantes. O que me leva à imediata conclusão de que estou aproveitando muito pouco a vida. Vejamos: ira e avareza são coisas que nunca fizeram muito a minha cabeça. às vezes tenho vontade de jogar coisas e pessoas pela janela (defenestrá-las - olha que verbo chique!), mas a vontade normalmente passa rápido; e minha carteira anda vazia talvez por falta de avareza... Cobiça, bem... digamos que ela esteja bem no limite entre a admiração e a inveja, mas nunca fiz despacho ou coisa que o valha em função disso... o que alivia minha barra. Vaidade... eis aí um pecado que requer duas coisas que andam escassas em minha vida: tempo e dinheiro! Lúxuria, então, nem se fala... o que é mesmo isso?! Há tempos a maçã da perdição (salvação?!) não me é oferecida. Resta-me - pobre de mim!!! - a preguiça e a gula... Comer mais do que o necessário (chocolates...hum....) e dormir, quando há tempo, mais do precisava... esses são os meus pecados. Veja se isso não afeta definitivamente minha reputação!!! São pecadinhos à toa, desses cotidianos, ninguém os leva mais a sério... Será que nem pecar mais direito eu sei?!! Como serei perdoada por tão míseros pecados? Acho que Ele quer pecados grandes que façam valer a pena o esforço do perdão... Ah! saudades do tempo em que os meus pecados eram impublicáveis...

sexta-feira, 19 de agosto de 2005

Educação ou sedução?

Fui educada com esmero pelos meus pais. Se alguma coisa saiu errada, não foi culpa deles! Aprendi a ser gentil, dizer "por favor", "obrigada", "com licença" e outras expressões mágicas... entendi que não custa nada perguntar"como vai?", "quer ajuda?"... Sem falsa modéstia, posso dizer que, além de bem educada (por méritos alheios), tenho uma tendência a ser simpática: costumo sorrir enquanto falo, faço brincadeiras para quebrar o gelo, gosto de ser carinhosa com todos... enfim: sou gente boa (é o que acho!). Para manter velhas e consolidar novas amizades, telefono de vez em quando, mando e-mails de quando em vez (gentil, não?). Ultimamente, porém, ando meio perturbada com isso... começo a perceber que algumas pessoas confundem esse tipo de comportamento ("ser legal") com jogo de sedução amorosa! Uma mulher descasada, quarentona e aparentemente bem resolvida não tem o direito de ser atenciosa sem que pareça estar "dando em cima"?! Será que agora vou ter de me despersonalizar e incorporar o tipo sem graça, tímido, calado... só para que ninguém ache que eu sou uma caçadora, sedutora, facilitadora ou qualquer "ora" que o valha?! Será que vou ter de contrariar as orientações dos meus pais só para não ser rotulada do "tipo-de-mulher-que-dá-mole"?! Eu poderia até tentar (tudo em nome da honra!), mas, cá entre nós, me recuso! Esse modelito frívolo de sociedade que confunde gentileza com cantada não me agrada e nem me cai bem! Vou continuar procurando ser simpática e agradável com todos. No dia em que eu quiser seduzir, as armas serão outras... bem diferentes. É isso!

quarta-feira, 10 de agosto de 2005

Já fui uma mórula!

Estava eu lendo um texto, escrito pela doutora Alice Ferreira, sobre descriminalização do aborto. Ela é absolutamente contra, argumentando que cientificamente já se provou que o início da vida é o momento da concepção - o aborto seria, então, um assassinato. Deixarei as questões morais de lado, porque o que mais me intrigou no texto foi um trecho que assim diz: "Todos nós passamos pelas mesmas fases do desenvolvimento intra-uterino: fomos um ovo, uma mórula, um blastocisto, um feto". Como assim? Eu já fui uma mórula?! Ter sido um ovo me constrange um pouco, ter sido um blastocisto até me envaidece, ter sido um feto...normal. Mas uma mórula?! Ah, isso não! Definitivamente eu não estava preparada para essa notícia. Entrei em crise pessoal e deixei o debate sobre o aborto de lado. Nada é mais importante do que o fato de eu ter descoberto, assim de forma abrupta e fria, que eu fui "aquilo". Na busca de minha identidade, tenho convicção de que fui muitas coisas na vida. Já fui séria (seriíssima, diga-se de passagem), temperamental, sedutora, santa (pero no mucho), sentimental, irônica. Já fui aluna, professora, namorada, amiga, noiva, mulher. Já fui baixa, careca e desdentada (mas isso já faz muito tempo). Reconheço até que já fui vil, mesquinha, vingativa, ridícula. Mas... uma mórula?! Por essa eu não esperava... Mas agora, pensando bem, talvez isso explique uma série de coisas: só pode ser por isso que tenho crise de riso, o pé direito maior que o esquerdo, reações precipitadas, muitas sardas nas costas... Isso explica (claro! por que não percebi antes!) as minhas oscilações de humor, os meus ataques de espirro, a dificuldade de aprender trigonometria, o meu cartão de crédito estourado!!! Que coisa! Cinco anos de terapia se desmoronam diante desta verdade inexorável: eu fui uma mórula. Preciso rever todos os meus conceitos existenciais... O meu consolo é que, se eu já fui, você também, um dia, foi! Ufa! Que alívio!

terça-feira, 9 de agosto de 2005

(Des)controle

Que me desculpem os aventureiros, mas o mínimo de rotina é fundamental. Adoro a sensação de que tudo está dentro das expectativas, amo a idéia de que está tudo sob controle - apesar de ultimamente não ter tido muito controle nem sobre o controle remoto da televisão (ah! filhos!!). Sair da rotina me incomoda, os imprevistos me desesperam... tenho um certo prazer em controlar minha vida, mesmo sabendo que isso é uma doce ilusão, e que ter controle é apenas ter a ilusão do controle. Ainda assim, dá-me paz acreditar que tudo o que acontece na minha vida é previsível e decidido por mim - acho que sofro da síndrome de deus, fazer o quê? Terapia? Ah, já faço! Nas questões pessoais, então, sinto-me bem poderosa. Estou sozinha porque quero e não é só isso: continuarei sozinha porque quero... Bobagem, ingenuidade, tolice. De repente, do nada, acontece o imprevisto e eu perco o controle. Minhas emoções tão seguras se dissolvem e eu me sinto um daqueles antigos brinquedos (o Tamagochi, lembram-se?) que precisa ser alimentado, amado, enfim, eca!, controlado. Sim, sim...estou falando de amores repentinos, daqueles que nos desestabilizam e nos tiram da rotina! Mas esse tipo de tema, convenhamos, não se adapta muito a uma crônica... merece uma poesia! Então, lá vai:

A TEIA

Eu, que me julgava tão soberana,
senhora das minhas vontades,
fui capturada pelo inesperado.
Tão acostumada estava a nada esperar
Tão acomodada sentia-me à minha solidão
Tão sensatas julgava as minhas escolhas
Tão traqüilos eram meus caminhos
Eu, ridícula e tola,
Fui violentamente seqüestrada pelo inesperado.
E agora,
Nesta teia em que me encontro,
Feita de olhares, esperas e silêncios,
Espero, humilde e ansiosa,
Que outro inesperado me salve.


Alguém tem um controle para empréstimo, aluguel ou venda? Paga-se bem!

domingo, 7 de agosto de 2005

Ah... os domingos

É domingo. Meu Deus. É domingo. Mesmo que tirassem do meu alcance todos os calendários e eu vivesse uma relação de tempo intuitiva, ainda assim eu saberia quando é domingo. O vazio melacólico das ruas, a interminável preguiça, a entendiante programação da televisão, a vontade de sequer tirar o pijama ou arrumar a cama... essas coisas e outras que estão no ar denunciam que o domingo chegou. Que fazer, então? Churrascos com pessoas conversando além dos decibéis suportáveis? Restaurantes lotados com famílias para as quais o domingo é a libertação da escrava do lar que cozinha de segunda a sábado? Almoços familiares que trazem à tona sempre velhas rixas que se julgavam esolvidas há tempos? Ligar a televisão e ficar apertando o controle remoto a cada 5 segundos com o comentário de " essa programação é patética"? Ir ao clube e, depois de lutar para encontrar um lugar para colocar a toalha, lambuzar protetor solar fator 60 pra não se expor ao câncer, ouvir crianças gritando que querem sorvete, homens olhando acintosamente a bunda das meninas, sentir o cheiro de urina que emana da piscina? Ficar em casa é opção: ler, arrumar gavetas, fazer uma comidinha caseira, cochilar à tarde... mas, lembrem-se, é domingo, não há disposição para isso. No final do dia, a música do Fantástico avisa que a tortura está quase acabando (aliás, vou propor que nos mobilizemos contra essa música - tenho a impressão de que ela provoca depressão aguda). Resta-nos o consolo de ir domir pensando: O domingo acabou! Mas a algegria dura pouco. Esse diabo é persistente e pontualíssimo: aparece, sem a menor cerimônia, semanalmente... entre a balada do sábado e a rotina da segunda. Não há como dele escapar...É domingo. Meu Deus. É domingo.

sábado, 6 de agosto de 2005

Sobre a inveja

Vocês conhecem aquela pessoa que faz o modelo-perfeito-em-tudo-o-que-faz-e-nunca-comete-erros? Eu conheço o tipo...aliás, tipa! A criatura é inteligente, elegante, carismática, bem-resolvida, e (ahhh!) linda de viver. Um dia desses, fui visitá-la meio que de surpresa (essas coisas que em Brasília nunca ninguém faz: "tava passando aqui perto e vim te ver!"). Pois bem, acreditem: a criatura estava arrumada como quem vai ao shopping. Perguntei, com absoluta vergonha de ter ido visitá-la em hora imprópria, se ela iria sair. Ela sorriu, disse que claro que não e me levou ao seu quarto para que eu pudesse ver o que ela estava fazendo... não pensem maldade, muito menos de alguém assim... Bom, ela estava arrumando o guarda-roupa, tinha tirado todas as peças, estava passando as roupas amarrotadas, dobrando direito as camisetas, agrupando por ordem de cor as calcinhas. E ela estava arrumada!!! Perguntei por que ela estava daquele jeito, pronta pra sair. Sabem o que ela me respondeu? "Ah! isso é roupa de ficar em casa!". Como assim? roupa de ficar em casa?!! EU tenho roupa de ficar em casa: camisetas meio puídas, bermudas velhas, chinelo havaiana se eu não resolver ficar descalça, indumentárias inúteis para qualquer outro evento senão ficar em casa! Aquilo era roupa de sair! Ah, meu Deus, tinha descoberto outra virtude nela... agora só faltava eu descobrir que ela acorda com hálito fresco de hortelã e nunca na vida teve flatulência...
Por que mesmo comecei essa história?... ah lembrei: minha filha fez uma redação sobre Admiração e inveja - o que diferencia esses dois sentimentos - e eu achei o tema filosófico demais para uma garota de 13 anos. Penso que não teria muito o que escrever sobre a matéria, pois vejo um limite territorial excessivamente estreito entre as duas palavras. Admiramos quem gostamos e invejamos quem não gostamos, diriam alguns. Mas não acho que seja assim tão simples: gosto da criatura, mas a invejo! Sim, mea culpa, mea culpa, mea culpa! Pequei, Senhor, perdoa-me, caí na fácil armadilha dos que não têm personalidade e padecem desse vil sentimento, também conhecido como pecado capital, chamado inveja! A admiração é para os altruístas, os que são tão perfeitos em tudo o que fazem não faz sentido terem inveja, os iluminados... ou então para os hipócritas, que dizem o que não pensam. Não sou assim, admito, nem iluminada nem hipócrita. Algumas pessoas me causam inveja sim! Só que não preciso, por causa disso, torcer contra elas, recorrer à mandinga, puxar o tapete, fazer intrigas! Posso conviver bem com a vontade de ser também daquele jeito, sem torcer para que o outro não o seja. "Ah, Tereza", alguns tentarão me consolar, "isso é admiração". Não é não gente, é inveja... e é uma merda.