quarta-feira, 10 de agosto de 2005

Já fui uma mórula!

Estava eu lendo um texto, escrito pela doutora Alice Ferreira, sobre descriminalização do aborto. Ela é absolutamente contra, argumentando que cientificamente já se provou que o início da vida é o momento da concepção - o aborto seria, então, um assassinato. Deixarei as questões morais de lado, porque o que mais me intrigou no texto foi um trecho que assim diz: "Todos nós passamos pelas mesmas fases do desenvolvimento intra-uterino: fomos um ovo, uma mórula, um blastocisto, um feto". Como assim? Eu já fui uma mórula?! Ter sido um ovo me constrange um pouco, ter sido um blastocisto até me envaidece, ter sido um feto...normal. Mas uma mórula?! Ah, isso não! Definitivamente eu não estava preparada para essa notícia. Entrei em crise pessoal e deixei o debate sobre o aborto de lado. Nada é mais importante do que o fato de eu ter descoberto, assim de forma abrupta e fria, que eu fui "aquilo". Na busca de minha identidade, tenho convicção de que fui muitas coisas na vida. Já fui séria (seriíssima, diga-se de passagem), temperamental, sedutora, santa (pero no mucho), sentimental, irônica. Já fui aluna, professora, namorada, amiga, noiva, mulher. Já fui baixa, careca e desdentada (mas isso já faz muito tempo). Reconheço até que já fui vil, mesquinha, vingativa, ridícula. Mas... uma mórula?! Por essa eu não esperava... Mas agora, pensando bem, talvez isso explique uma série de coisas: só pode ser por isso que tenho crise de riso, o pé direito maior que o esquerdo, reações precipitadas, muitas sardas nas costas... Isso explica (claro! por que não percebi antes!) as minhas oscilações de humor, os meus ataques de espirro, a dificuldade de aprender trigonometria, o meu cartão de crédito estourado!!! Que coisa! Cinco anos de terapia se desmoronam diante desta verdade inexorável: eu fui uma mórula. Preciso rever todos os meus conceitos existenciais... O meu consolo é que, se eu já fui, você também, um dia, foi! Ufa! Que alívio!