domingo, 21 de janeiro de 2007

Crise zodiacal, sem Prozac

Apesar da formação cristã-católica, costumava, às escondidas, consultar o horóscopo diariamente. Abria discretamente o jornal e lia o que o dia reservava para os nascidos sob o domínio de sagitário. Se alguém a flagrava , disfarçava com um ar de desdém: “Eu lendo horóscopo? Imagina. Vocês não me conhecem.! Estou vendo os quadrinhos!” Mas lia. E no fundo, achava que aquilo não era assim tão pagão. Na verdade, via semelhanças entre o que o signo apregoava e seus gostos e ações. Semelhanças demais para serem meras coincidências. Fosse o tempo medieval,merecia a fogueira dos hereges... Achava o máximo ler, nas revistas dos salões de cabeleireiros, as características da mulher de sagitário: livre, independente, alegre e cativante. Gostava especialmente quando a definiam como uma mulher de “raça apurada”. Com o tempo, as previsões zodiacais passaram a nortear suas decisões mais sérias. “O horóscopo, uma taça de vinho, uma decisão tomada”. Simples assim.

Um dia – daqueles que começam traiçoeiramente comuns como todos -, um colega comentou que gostava de astrologia e que fazer mapas astrais era a sua mais atual terapia. Ela olhou e silenciou: a sala estava cheia demais para se comprometer. Mais tarde, na primeira brecha em que se encontrou com o colega, pediu-lhe, assim-como-quem-não-quer-nada, que lhe fizesse seu mapa “astrológico, ah! Não... astral. Não entendo mesmo dessas coisas...”. Ele solicitou os dados precisos do seu nascimento. Ela recorreu à mãe. A mãe recorreu à sua sempre boa memória. Elas confirmaram na certidão. Dia 21 de dezembro, às sete da noite. Último decanato de sagitário. Repassou os dados ao amigo, mas, antes, consultou a previsão para o seu signo naquele dia. “Você poderá ter a sua vida transformada em função de uma notícia. Prepare-se.” Teve calafrios... Ou aquilo era um mau presságio ou ficaria resfriada. Por precaução, tomou uma aspirina.

Outro dia – daqueles que parecem como todos os outros -, o colega a procurou com o trabalho realizado. Orgulhosamente segurava uma pasta, com desenhos enigmáticos e todo o tipo de informação zodiacal: humor, amor, trabalho, família, destino, essas coisas... Antes de lhe entregar a pasta, entretanto, ele comentou displicente: “Nossa! Por pouco você seria uma sagitariana.” Como assim? Seria? O pressuposto disso é que ela não era! Fingiu indiferença. Correu para a sua mesa e olhou o laudo. Não foi difícil ler a palavra Capricórnio. Não, não podia ser... devia ser um erro. Respirou fundo, procurou o colega, confessou, envergonhada, a sua perplexidade. Sempre se julgou uma “raça apurada”, sempre agiu e viveu sob a influência de sagitário. Ele não podia agora, logo agora em que ela entrava na crise dos quarenta, desmoronar sua identidade... Isso ela não admitia! Ele calmamente lhe explicou que a regência dos signos mudava às dezoito horas e quarenta e cinco minutos do dia 21 de cada mês. Incrédula, ela tentou usar a lógica: oras, o dia acaba à meia-noite para todos, é uma convenção cultural universal. Ele disse que os astros têm suas próprias convenções. Ela sentiu o mundo desabar. Sequer se lembrava da representação de Capricórnio: era um unicórnio ou coisa parecida?... Ah... já estava contabilizando o valor das sessões de terapia: com certeza gastaria uma fortuna para se ressignificar. O colega voltou e disse: “Não sei como você não percebeu. É claro que você é capricorniana!”.

Sozinha em sua sala, acessou um site de busca, digitou “mulher de capricórnio” e clicou enter. Apareceram dezenas de páginas. Abriu uma qualquer, não estava em condições de decidir.Começou a ler timidamente as palavras. Mulher forte e segura, com grande dose de sensibilidade. Isso a animou. A mulher capricorniana é uma grande organizadora e dá muita importância à carreira, sem negligenciar a família. Isso definitivamente era bom! Ela descobriu em segundos que era uma excelente conselheira e tinha muito senso prático. Era segura e tinha uma auto-estima equilibrada. Uau! Essa era ela! Bem que percebia que aquela coisa de sagitariana era um pouco forçada... bem que percebia! Quando leu que ela era empreendedora, pragmática e capaz de agregar pessoas a seu redor, sorriu! Não precisava mais de terapia! Aliás, as capricornianas não precisam disso! Levantou, pegou a bolsa, rodopiou pela sala. Os colegas, boquiabertos, ouviram-na dizer que sairia mais cedo. Ela saiu radiante. Foi ao shopping mais próximo e comprou aquela sandália lindíssima-carísssima em que estava de olho há dias: iria sobrar dinheiro com a dispensa da terapia. De salto alto,tomando um capuccino, olhou ao seu redor. Era uma mulher bem resolvida. Era um capricorniana. É claro. Como não percebeu isso antes?...