quarta-feira, 27 de dezembro de 2006

quarta-feira, 5 de abril de 2006

A um amigo

Distraída
só percebia as pedras
-tantas- no caminho...
Egoísta
não via as almas
-como eu- sozinhas
Insegura
não escalava as montanhas
-altas- da conquista
Tola
desconsiderava os sinais
-óbvios- de semelhanças

Tua voz quebrou minha distração
Tua dor destruiu meu egoísmo
Tua presença aniquilou minha insegurança
Teu equilíbrio redimiu minha tolice

Renasci na tua cumplicidade

domingo, 5 de março de 2006

Filhos....

Vivemos desempenhando papéis. Quanto mais vivemos, mais papéis... Deveríamos todos fazer curso de artes cênicas para nos sentirmos mais seguros no espetáculo da vida! Perverso espetáculo: não temos diretor, não temos ensaios e o improviso conta mais do que o texto! Os meus papéis são muitos, talvez mais do que eu consiga desempenhar: o de cidadã, o de mulher independente pós-moderna, o de amiga, o de filha, o de profissional... mas de todos, o que mais me desespera é o de mãe! Sinceramente, nunca sei o que fazer! Dou o tom de comédia quando a situação é trágica (e vice-versa!), não entendo as deixas, sinto-me uma atriz desastrosa!!! Me vem agora a certeza de que filhos deveriam vir - como os aparelhos de dvd - com manual de instrução, daqueles bem didáticos que vêm com uma parte assim: o que fazer em caso de... Não seria ótimo? Problemas?! Consulte o manual! ah... delírios! Adoro ser mãe, amo meus filhos ... gosto tanto que termino adotando outros ao longo do tempo... mas confesso a sensação de às vezes me sentir incompetente: dou amor de mais ou amor de menos? sou mais tolerante ou mais exigente? tento ser amiga ou sou simplesmente mãe? Alguns livros de terapeutas e pais mais-ou-menos-bem-sucedidos dão conselhos, mas não os acho confiáveis. E sigo meu instinto. Às vezes, quero pegar meus filhos no colo e niná-los como se ainda fossem crianças; às vezes quero lhes dar palmadas como se ainda fossem crianças... O meu coração me diz, entretanto, que eu só devo ficar por perto: não dizer nada, estar presente e ajudá-los a juntar os cacos quando for necessário... será que isso basta?

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2006

A mulher sozinha

O restaurante era pequeno e sofisticado. As luzes suaves, as rosas nas mesas e os inúmeros quadros de anjos sobre uma estreita prateleira em toda a parede provocavam em mim a sensação de estar em um bistrô francês... a noite estava perfeita. Meu amigo escolhia o vinho que iríamos beber. Foi uma escolha demorada. Distraí-me. Olhei em volta: mesas vazias, um grupo mais barulhento... e uma mulher sozinha. A cena, não sei por que motivo, me fascinou. A mulher sozinha ocupava uma mesa pequena bem à minha frente. Pedira uma garrafa de vinho tinto e trazia consigo um livro que ficava aberto mas raramente era lido. A luz fraca talvez lhe dificultasse a leitura, talvez o livro fosse uma maneira de não se sentir tão exposta... Escolhemos os pratos, conversamos sobre culinária, religião e outras esquisitices, mas, confesso, aquela mulher me perturbou. Os gestos dela eram precisos, lentos. O olhar parecia sereno. Degustou o jantar e o vinho com uma tranqüilidade que só alguns conhecem. E, sem querer, despertou em mim alguns minutos de digressão bem invasivos. Por que ela estava sozinha, àquela hora (era bem tarde), em uma quarta-feira chuvosa? Decerto estava em casa e a solidão sussurrou-lhe no pescoço que estava chegando. Talvez tenha se preparado para ela. Tomou banho, um copo de leite morno, assistiu à novela, deitou-se cedo. A solidão deitou-se com ela. Aquela mulher chorou, esperou o telefone tocar, procurou lembrar-se do tempo em que solidão era apenas um substantivo abstrato, pensou em comer chocolates. Depois, virou-se para a companheira de vida, de quarto e de cama e disse, decidida: Vamos sair? Um jantar só nós duas, um vinho, boa conversa... Que tal? A velha companheira aceitou. A mulher vestiu-se, passou batom nos lábios, borrifou perfume. Foi jantar num pequeno e sofisticado restaurante numa noite chuvosa de quarta-feira. Ela e a solidão. Faziam um par perfeito. Pareciam se divertir. Outra mulher, também amiga da amiga da mulher sozinha, viu a cena. Comoveu-se. Chego a achar que sentiu inveja...

terça-feira, 7 de fevereiro de 2006

Quem tem medo de Clarice Lispector?

Sobre minha escrivaninha, o maço de cigarros me adverte que fumar faz mal à saúde. Involuntariamente sorrio. Do lado do cigarro, há algo ainda mais prejudicial sem que haja nele qualquer advertência: um livro de Clarice Lispector. Que diabos de parâmetros são esses de acordo com os quais a nicotina é mais venonosa do que a visão lispectoriana do mundo? Ou a saúde pública não goza de capacidade de discernimento, ou não leu Clarice... Ela chegou às minhas mãos há muito tempo e sempre me assustou: sua densidade, seus mergulhos existenciais são potencialmente destrutivos e perturbadores. Mas hoje ela se reaproximou sorreteira, ressuscitada por um amigo-em-quem-me-vejo-como-um-espelho. Ah, amigo, foi maldade! Falar de Clarice reacendeu em mim um desejo meio-totalmente masoquista de me deixar arrastar pelo seu turbilhão discursivo. Estou apavorada: essa mulher era caso perdido ou perdida estou eu?... abro à revelia e em pânico uma página de seu livro."Talvez desilusão seja o medo de não pertencer mais a um sistema. No entanto se deveria dizer assim: ele está muito feliz porque finalmente foi desiludido. O que eu era antes não me era bom. Mas era desse não-bom que eu havia organizado o melhor: a esperança. De meu próprio mal eu havia criado um bem futuro. O medo agora é que meu novo modo não faça sentido? Mas por que não me deixo guiar pelo que for acontecendo? Terei que correr o risco sagrado do acaso. E substituirei o destino pela probabilidade." Como posso ler isso e ir tomar sorvete como toda a gente, fingindo que não sei que isso foi escrito, com absoluta certeza, para mim. Eu tenho medo, sim, de Clarice Lispector: ela é intimidadora, como certos amigos que tenho... amigos que me fazem pegar do canto direito da terceira prateleira da minha estante o livro que é causador da minha agonia. Amigos que me fazem lembrar que viver é muito perigoso - embora o autor da frase seja G. Rosa. O que irá me sucumbir afinal: as milhares de substâncias químicas do meu cigarro ou a perigosa perspectiva da escritora ucraniana?... Acendo um cigarro, lembro de Augusto dos Anjos, outra ameaça, por causa da rima: "O beijo, amigo, é a véspera do escarro". Fumo calmamente e sem culpa, enquanto fecho o livro e o ponho fora de alcance. O estrago está feito. As feridas, expostas. Tenho contade de dizer ao meu amigo que isso não se faz... é caso de denúncia criminal. Mas já que ele o fez, o mínimo que pode me oferecer é colo... e cigarros.

domingo, 29 de janeiro de 2006

Eu sou Penélope!

Ninguém representa melhor o tema da espera do que Penélope: esperou o marido, Ulisses - bravo guerreiro na guerra de Tróia - , durante vinte anos. Vinte anos! É certo e indiscutível que o Ulisses que voltou não era aquele que havia partido: havia mais cicatrizes em seu corpo e em sua alma, mais desencanto talvez, mais sabedoria certamente. Penélope esperou, tecendo de dia e destecendo à noite, numa rotina assustadoramente perversa. Mas Penélope esperou. Todos esperam, não é mesmo? A água ferver para o café, o quinto dia para o salário, a situação política melhorar, a morte na UTI, vida na maternidade, o resultado da megasena, o tempo curar as dores... todos esperam. Eu também. Espero demais, é bom logo esclarecer. Mas sei que as piores esperas são as menores. O telefone tocar, por exemplo! Quer coisa mais angustiante do que isso? Às vezes, para fugir a ansiedade, não dá vontade de pôr a campainha no modo silencioso? A espera é cruel por dois motivos: pela imediata sensação de expectativa que ela produz e pela impotência que ela cria. Ou seja: me angustio por esperar, por me sentir ridícula por esperar, por saber que o fim da espera não depende de mim... Ou depende? Talvez sim. Claro! Eu posso decidir não mais esperar e, em vez de manter o toque silencioso, desligar definitivamente o telefone... Talvez não! Talvez eu deva mesmo ser prisioneira da espera. Uma Penélope moderna, que lê Saramago e bebe tequila enquanto espera. Oxalá não sejam vinte anos... eu espero...

segunda-feira, 2 de janeiro de 2006

Um segundo para Deus rir

De férias e em Brasília, obviamente fui atacada pelo vírus do tédio. Para minimizar seus sintomas, joguei-me com fervor aos filmes e às músicas. Meus olhos e ouvidos jamais foram tão cobrados... Coincidentemente (ou não!), um dos filmes e uma das músicas de hoje falavam de uma questão que me intriga sempre e me aborrece quase sempre: a efemeridade das coisas, a fragilidade da vida, o fato de estarmos todos - e sempre - sobre o fio de uma navalha. O filme: Amores brutos; a frase: "quer fazer Deus rir, faça planos". A música: Tempo rei; a frase: "tudo agora mesmo pode estar por um segundo". Foi-se o tédio, veio a melancolia. De fato, só um segundo basta para mudar os planos ( para diversão de Deus). Quem é que já não experimentou a verdade disso? Você já viu seu humor, seu dia, sua semana mudar a um piscar de olhos por razões sobre as quais você não teve nenhum controle? Você tem noção de quanto um segundo pode mudar definitivamente planos para o dia, o mês, a estação, o resto da vida? Você já teve suas expectativas precocemente assassinadas pelo acaso, pelo inesperado, pela surpresa? Ou seja: você já protagonizou uma comédia para Deus? Não é mesmo lamentável tudo isso? Saber que vem aquilo-que-não-estava-nos-planos para infernizar nossa vida?.... Já sei que vão me dizer que, por isso, é preciso aproveitar o dia (Carpe diem, dizia o filósofo Horácio na Antiguidade). Eu sei...eu sei... qualquer manual de auto-ajuda vai repetir isso. Mas, cá entre nós, não há nada tão difícil, na prática, do que restringir-se ao presente, há? Estamos sempre um pouco no passado e um pouco no futuro, ainda que valorizemos o presente. O passado (fazer o quê?) não pode ser mudado... O futuro (fazer o quê?) é mudado, à revelia, contra nossa vontade, em um segundo. Ah! que venha novamente o tédio! Melhor do que o desespero...