domingo, 29 de janeiro de 2006

Eu sou Penélope!

Ninguém representa melhor o tema da espera do que Penélope: esperou o marido, Ulisses - bravo guerreiro na guerra de Tróia - , durante vinte anos. Vinte anos! É certo e indiscutível que o Ulisses que voltou não era aquele que havia partido: havia mais cicatrizes em seu corpo e em sua alma, mais desencanto talvez, mais sabedoria certamente. Penélope esperou, tecendo de dia e destecendo à noite, numa rotina assustadoramente perversa. Mas Penélope esperou. Todos esperam, não é mesmo? A água ferver para o café, o quinto dia para o salário, a situação política melhorar, a morte na UTI, vida na maternidade, o resultado da megasena, o tempo curar as dores... todos esperam. Eu também. Espero demais, é bom logo esclarecer. Mas sei que as piores esperas são as menores. O telefone tocar, por exemplo! Quer coisa mais angustiante do que isso? Às vezes, para fugir a ansiedade, não dá vontade de pôr a campainha no modo silencioso? A espera é cruel por dois motivos: pela imediata sensação de expectativa que ela produz e pela impotência que ela cria. Ou seja: me angustio por esperar, por me sentir ridícula por esperar, por saber que o fim da espera não depende de mim... Ou depende? Talvez sim. Claro! Eu posso decidir não mais esperar e, em vez de manter o toque silencioso, desligar definitivamente o telefone... Talvez não! Talvez eu deva mesmo ser prisioneira da espera. Uma Penélope moderna, que lê Saramago e bebe tequila enquanto espera. Oxalá não sejam vinte anos... eu espero...

segunda-feira, 2 de janeiro de 2006

Um segundo para Deus rir

De férias e em Brasília, obviamente fui atacada pelo vírus do tédio. Para minimizar seus sintomas, joguei-me com fervor aos filmes e às músicas. Meus olhos e ouvidos jamais foram tão cobrados... Coincidentemente (ou não!), um dos filmes e uma das músicas de hoje falavam de uma questão que me intriga sempre e me aborrece quase sempre: a efemeridade das coisas, a fragilidade da vida, o fato de estarmos todos - e sempre - sobre o fio de uma navalha. O filme: Amores brutos; a frase: "quer fazer Deus rir, faça planos". A música: Tempo rei; a frase: "tudo agora mesmo pode estar por um segundo". Foi-se o tédio, veio a melancolia. De fato, só um segundo basta para mudar os planos ( para diversão de Deus). Quem é que já não experimentou a verdade disso? Você já viu seu humor, seu dia, sua semana mudar a um piscar de olhos por razões sobre as quais você não teve nenhum controle? Você tem noção de quanto um segundo pode mudar definitivamente planos para o dia, o mês, a estação, o resto da vida? Você já teve suas expectativas precocemente assassinadas pelo acaso, pelo inesperado, pela surpresa? Ou seja: você já protagonizou uma comédia para Deus? Não é mesmo lamentável tudo isso? Saber que vem aquilo-que-não-estava-nos-planos para infernizar nossa vida?.... Já sei que vão me dizer que, por isso, é preciso aproveitar o dia (Carpe diem, dizia o filósofo Horácio na Antiguidade). Eu sei...eu sei... qualquer manual de auto-ajuda vai repetir isso. Mas, cá entre nós, não há nada tão difícil, na prática, do que restringir-se ao presente, há? Estamos sempre um pouco no passado e um pouco no futuro, ainda que valorizemos o presente. O passado (fazer o quê?) não pode ser mudado... O futuro (fazer o quê?) é mudado, à revelia, contra nossa vontade, em um segundo. Ah! que venha novamente o tédio! Melhor do que o desespero...