terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

Ela, a quem falta ousadia

Ensaiava o gesto com freqüência em seus momentos de devaneio. Tocaria em sua mão levemente. Ou acariciaria o seus cabelos. Ou então, com o dorso da mão, pecorreria sua barba por fazer. Depois, com gentileza e ousadia, beijaria e sua boca. Achava que não seria necessário nada dizer, mas diria algo desnecessário: "Gosto de você, amigo." O gesto estava ensaiado, a fala mais ou menos memorizada. A gentileza, Ela naturalmente tinha. Faltava-lhe - oh, desgraça - faltava-lhe a ousadia.
Eram amigos, confidentes. As conversas que tinham eram invariavelmente longas e de uma dualidade mágica: alternavam trivialidades com filosofia, fofocas com catarses. Tinham lido os mesmos livros, gostavam das mesmas músicas, padeciam do mesmo gosto pela solidão. Eram amigos. Um dia, Ela o olhou de modo diferente. Deteve-se no contorno dos seus lábios, observou suas mãos, sentiu sua pele quando o abraçou. Desejou aquele homem como não se deseja um amigo. Assustada, Ela sentiu seu coração aos pulos, sua respiração ofegante. Teve vontade de abraçá-lo. Não, teve vontade de ser abraçada por ele. Um abraço lento, intenso, não-casto... Mas o ouviu dizer "oi,amiga" e se lembrou: eram amigos.
Aquele dia desencadou nela um total desconcerto. Aquele era um homem proibido: tinha uma companheira, parecia amá-la. Aquele homem a fazia repetir o padrão dos amores difíceis. Ainda assim, desejava-o. Esperava uma oportunidade para lhe dizer isso. Poderia ser rejeitada, poderia ser amada. Precisava ser sincera, afinal não é isso que os amigos fazem? As longas conversas continuavam. Frivolidades e Nietsche. Ela sentia seu corpo tremer. Fofocas e Sartre. Ele sorri displicente. Pão-de-queijo e Schopenhauer. Ela focaliza sua boca. Ela ensaia o gesto. Maldita ousadia...

8 comentários:

Anônimo disse...

Um texto de uma delicadeza e sensibilidade indiscritível...Muito diferente!
Vc é fantástica...

Anônimo disse...

Lendo seu texto até consegui reviver um pouco a sensação de paixão...

Incrível! Tão ameno e tão intenso!

lindo, lindo...adorei!

Te amo, mãezinha!

Manaíra Lacerda disse...

Tereeeeeeeeeza
eu aqui tentando há anos dar um jeito de te ver e não consigo.

vc tá dando aula pro meu namorado dez do ano passado e eu não consigo te ver, mulher.

nãããão. isso vai ter que mudar. vou te ver semana q vem no máááximo. me diz qdo vc vai estar no pódium q eu vou lá e faço uma visitinha dupla.

saudades de vc.

beijoca. até mais. mana

Manaíra Lacerda disse...

é pódion, né?
eita.
hehe

Newton Neto disse...

intenso...

Anônimo disse...

Lindo. E verdadeiro!

Anônimo disse...

Tereza, você sabe que não tenho muita paciêcia para ler coisas longas, espero que você esteja se divertindo muuuuuuito com suas belas crônicas!!!!!

Anônimo disse...

É Tereza...a ousadia vem de onde e a gente menos espera e com quem menos esperamos...!
Até nisso a gente combina?
Amor de amigo...ou não existe ou é efêmero...não consigo achar verdadeiro!
Nem sei poquê...
Te adoro!
Amei suas crônicas, li quase todas!
Beijos