Ensaiava o gesto com freqüência em seus momentos de devaneio. Tocaria em sua mão levemente. Ou acariciaria o seus cabelos. Ou então, com o dorso da mão, pecorreria sua barba por fazer. Depois, com gentileza e ousadia, beijaria e sua boca. Achava que não seria necessário nada dizer, mas diria algo desnecessário: "Gosto de você, amigo." O gesto estava ensaiado, a fala mais ou menos memorizada. A gentileza, Ela naturalmente tinha. Faltava-lhe - oh, desgraça - faltava-lhe a ousadia.
Eram amigos, confidentes. As conversas que tinham eram invariavelmente longas e de uma dualidade mágica: alternavam trivialidades com filosofia, fofocas com catarses. Tinham lido os mesmos livros, gostavam das mesmas músicas, padeciam do mesmo gosto pela solidão. Eram amigos. Um dia, Ela o olhou de modo diferente. Deteve-se no contorno dos seus lábios, observou suas mãos, sentiu sua pele quando o abraçou. Desejou aquele homem como não se deseja um amigo. Assustada, Ela sentiu seu coração aos pulos, sua respiração ofegante. Teve vontade de abraçá-lo. Não, teve vontade de ser abraçada por ele. Um abraço lento, intenso, não-casto... Mas o ouviu dizer "oi,amiga" e se lembrou: eram amigos.
Aquele dia desencadou nela um total desconcerto. Aquele era um homem proibido: tinha uma companheira, parecia amá-la. Aquele homem a fazia repetir o padrão dos amores difíceis. Ainda assim, desejava-o. Esperava uma oportunidade para lhe dizer isso. Poderia ser rejeitada, poderia ser amada. Precisava ser sincera, afinal não é isso que os amigos fazem? As longas conversas continuavam. Frivolidades e Nietsche. Ela sentia seu corpo tremer. Fofocas e Sartre. Ele sorri displicente. Pão-de-queijo e Schopenhauer. Ela focaliza sua boca. Ela ensaia o gesto. Maldita ousadia...
terça-feira, 20 de fevereiro de 2007
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8 comentários:
Um texto de uma delicadeza e sensibilidade indiscritível...Muito diferente!
Vc é fantástica...
Lendo seu texto até consegui reviver um pouco a sensação de paixão...
Incrível! Tão ameno e tão intenso!
lindo, lindo...adorei!
Te amo, mãezinha!
Tereeeeeeeeeza
eu aqui tentando há anos dar um jeito de te ver e não consigo.
vc tá dando aula pro meu namorado dez do ano passado e eu não consigo te ver, mulher.
nãããão. isso vai ter que mudar. vou te ver semana q vem no máááximo. me diz qdo vc vai estar no pódium q eu vou lá e faço uma visitinha dupla.
saudades de vc.
beijoca. até mais. mana
é pódion, né?
eita.
hehe
intenso...
Lindo. E verdadeiro!
Tereza, você sabe que não tenho muita paciêcia para ler coisas longas, espero que você esteja se divertindo muuuuuuito com suas belas crônicas!!!!!
É Tereza...a ousadia vem de onde e a gente menos espera e com quem menos esperamos...!
Até nisso a gente combina?
Amor de amigo...ou não existe ou é efêmero...não consigo achar verdadeiro!
Nem sei poquê...
Te adoro!
Amei suas crônicas, li quase todas!
Beijos
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